segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O espírito deixa de ser sinônimo de Espírito

Ao compararmos a Introdução da primeira edição com a da segunda edição d'O Livro dos Espíritos notamos um comportamento repetido a exaustão: nas palavras “espírito” colocadas no meio da frase, foi substituído o “e” minúsculo pelo “E” maiúsculo 105 vezes. Este comportamento sistemático nos demonstram 2 coisas:


a) Kardec foi extremamente cuidadoso em seu trabalho de revisão e reformulação dos textos d'O Livro dos Espíritos. Desta forma, toda diferença entre as duas edições deve ser valorizada e investigada, em busca das possíveis motivações de Kardec.


b) Este cuidado com as palavras “espírito” e “Espírito” indicam que Kardec modificou e diferenciou o significados destas palavras da primeira para a segunda edição.


Os esclarecimentos são dadas pelo próprio Kardec na segunda edição:


23: Que é espirito?

O princípio inteligente do Universo.”


76: Que definição se pode dar dos Espíritos?

Pode-se dizer que os Espíritos são os seres inteligentes da Criação. Povoam o Universo, fora do mundo material.”

NOTA de Allan Kardec – A palavra Espírito é empregada aqui pra designar as individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente universal.


Tanto o diálogo 23, quanto o 76, reproduzidos acima, não apresentam correspondência direta na primeira edição. A questão 43, da primeira edição, apresenta relação com a Nota de Kardec, e a questão 44 relação com a resposta 76 da segunda edição:


43: Os espíritos têm, cada qual, sua individualidade?

Sim, nunca se confundem.”


44: Os espíritos constituem um mundo à parte, fora deste mundo que vemos?

Sim, o mundo dos espíritos ou das inteligências incorporais.”


Kardec propõe, na segunda edição, a existência de uma substância formadora dos Espíritos. Esta substância recebe o nome de “espírito”. Este modelo e conceituação não são desenvolvidos na primeira edição. Para deixar mais claro este modelo de “materialidade” estrutural do Espírito, Kardec desenvolve, apenas na segunda edição, o tópico Espírito e Matéria composto pelos diálogos 21 a 28, completamente inexistentes na primeira edição. Nestes diálogos desenvolve o conceito de Fluído Universal (diálogo 27) e explicita a materialidade do espírito (diálogo 28):


27: Haveria, assim, dois elementos gerais do Universo: a matéria e o espírito?

Sim, e acima de tudo Deus... Mas, ao elemento material é preciso juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita... Embora, sob certo ponto de vista, se possa classificar o fluido universal como elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se fosse realmente matéria, não haveria razão para que o espirito também não o fosse...”


28: Já que o próprio espírito é alguma coisa, não seria mais exato e menos sujeito a confusões designar esses dois elementos gerais pelas expressões: matéria inerte e matéria inteligente?

As palavras pouco nos importam...”


OBS 1: na primeira edição encontramos uma única citação ao fluido universal no diálogo 42, sem explicar o que seria esta entidade:

42a: De onde o espírito tira tal envoltório (perispírito)?

Do fluido universal de cada globo.”


OBS 2: Grande parte dos diálogos 76 a 131 do capítulo “Espírito” da segunda edição estão presentes nos diálogos 38 a 62 do capítulo “Mundo Espírita ou dos Espíritos” da primeira edição. Nestes textos, também encontramos a troca sistemática do “e” minúsculo por “E”maiúsculo nas palavras espírito/Espírito. Provavelmente conhecendo o conceito kardequiano de “espírito” e “Espírito”, Canuto Abreu corrigiu na sua tradução da primeira edição, trocando todos os “e” minúsculos por “E” maiúsculos, não respeitando a grafia original francesa.


OBS 3: Como demonstrado acima, discordo da interpretação que Herculano Pires adiciona ao diálogo 82: “Os Espíritos revestidos do perispírito são o objeto desta referência. Sem o perispírito nada têm de material, como vemos na resposta ao item 79.” Kardec discute o perispírito apenas a partir do diálogo 93, e já deixou explícito a proposta de que o Espírito é formado por uma substância, que ele optou por chamar de espírito, desde os diálogos 23 e 27.

2 comentários:

Vital Cruvinel disse...

Maravilha, Leo! Muito legal estas observações finais. Ah! Botei minha lente de aumento no máximo e acabei percebendo uma certa semelhança entre a resposta do diálogo 76 da segunda edição com o comentário do diálogo 38 da primeira edição. Veja nos originais:

Primeira edição
38. (Comentário) Dieu a créé des êtres intelligents qui peuplent l'univers en dehors du monde matériel, et que l'on désigne sous le nom d'esprits.

Segunda edição
76. (Resposta) On peut dire que les Esprits sont les êtres intelligents de la création. Ils peuplent l'univers en dehors du monde matériel.

Não sei não, mas acho que aqui também Kardec fez um bom aproveitamento de seu comentário.

Abraço!

Leopoldo Daré disse...

Boa observação Vital!
Farei uma comparação mais detalhada deste diálogo e farei uma complementação no texto que publiquei.
Obrigado