quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Margem a interpretação

O mestre Allan Kardec tinha plena consciência da importância em oferecer um conjunto de ensinamentos claros e objetivos. Sabia que os diálogos com os espíritos não poderiam dar margem a diferentes interpretações. Neste sentido ele retocou algumas das respostas dos espíritos ainda que o estudo completo da obra direcionasse para uma única interpretação.

Ou seja, ele não tinha absoluta necessidade de fazer algumas das modificações que fez, mas entendeu ser importante para evitar que os diálogos lidos individualmente pudessem dar margem a uma interpretação equivocada. A seguir colocaremos um exemplo de como isto se deu.

Dos ensinamentos espíritas sabemos que durante o nosso desencarne vamos recuperando lentamente a consciência na medida em que se dissipa o estado de perturbação que ocorre por ocasião da morte do nosso corpo. Este ensinamento obtido diretamente por meio dos diálogos com os espíritos foi repassado satisfatoriamente nas duas edições analisadas. Vejam:

Primeira edição
108. A alma, deixando o corpo, tem imediata consciência de si mesma?
"Consciência imediata."
__ O exemplo de alguém que passa da escuridão para o claro pode nos dar disso uma idéia?
"Não precisamente, porque a alma necessita de algum tempo para se reconhecer; tudo no começo é confuso; fica, antes, como um homem que sai de um sono profundo, até que fique completamente desperto, suas idéias não voltam senão pouco a pouco."
A alma, ao deixar seu envoltório, tem imediatamente consciência de si mesma, de sua individualidade; mas precisa de algum tempo para se reconhecer; no primeiro momento fica meio aturdida e como um estrangeiro de súbito transportado a uma cidade desconhecida, ou como alguém que sai de profundo sono e não se encontra ainda completamente acordado. A lucidez das idéias e a memória do passado lhe voltam à medida que se dissipa a influência do corpo, do qual acaba de desprender-se.

Segunda edição
163. A alma, deixando o corpo, tem imediata consciência de si mesma?
"Consciência imediata, não é bem o termo. Ela passa algum tempo em estado de perturbação."

Ainda que satisfatório, o diálogo na primeira edição dá margem a interpretação de que ao deixar o corpo a alma passa a ter imediata consciência de si mesma. Isto ocorre justamente por causa da dinâmica do diálogo construtivo entre as partes. Após a resposta positiva e sem rodeios do espírito Kardec procurou entender melhor perguntando como este processo de recuperação da consciência se daria.

Aliás, uma outra interpretação para este diálogo é a de que Kardec procurou se assegurar da resposta do espírito usando seu apurado senso crítico. E a próxima resposta veio exatamente na direção de uma certa gradualidade na aquisição da consciência durante o desencarne.

Já na segunda edição, Kardec procurou ser mais objetivo e deixou as explanações sobre este estado de perturbação para os seus comentários finais da subseção (após o diálogo 165). E é interessante observar ainda que Kardec procurou não se desvencilhar totalmente da resposta na primeira edição ao se referir ainda a "consciência imediata".

Provavelmente, ele tentou preservar a ligação entre as respostas das duas edições para diminuir a sensação de revisão ou correção das idéias. E um dos principais motivos para isso é que, como uma filosofia nascente, ele precisava se precaver contra os antagonistas ou detratores do Espiritismo.

3 comentários:

Leopoldo Daré disse...

Bom dia Vital.
Concordo com suas interpretações, mas desejo acrescentar outra inferência. Esta discreta diferença entre a editoração das duas edições demonstra, também, como Kardec trabalhava com respostas inicialmente antagônicas. Kardec defendeu a idéia da possibilidade de fusão de mensagens com conteúdos aparentemente diferentes, a partir de uma interpretação atenta das partes, pois cada Espírito tem visões parciais da realidade absoluta. Este exemplo é ótimo para exemplificar este discursso de Kardec. Ao mesmo tempo, este exemplo reforça a tese do encaminhamento mais pedagógico da segunda edição. Para mim, também demonstra a consolidação da visão filosófica da gradualidade dos fenômenos da natureza, pois se há uma aparente discondância entre as duas perguntas, Kardec direcionou para uma delas, excluindo a possível discordância.

Vital Cruvinel disse...

Oi Leo! Você resumiu tudo muito bem e é interessante observar como tudo se encaixa. Vamos em frente!

Anônimo disse...

gostaria de ler o primeiro original escrito por alam kardec ditado pelos espiritos