quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Os nossos gênios


O mestre Allan Kardec se preocupava muito com a definição do vocabulário espírita porque entendia que a ambiguidade de algumas palavras poderiam ser a origem de intermináveis discussões. Foi por esta razão que, já no nascimento do Espiritismo, ele publicou a obra 'Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas' onde destacou:

"... Com palavras claramente definidas e um vocábulo para cada coisa, torna-se mais fácil a mútua compreensão; se se discute, é, então, a respeito do fundo, não mais a respeito da forma.
Foi para atingir tal objetivo e pôr em ordem essas idéias novas e ainda confusas, que nos dispusemos, em primeiro lugar, a inventariar todas as palavras que se referem, direta ou indiretamente, à doutrina espírita, oferecendo, a respeito delas, explicações sucintas, porém suficientes para fixar as idéias."

Na primeira edição do Livro dos Espíritos as palavras relacionadas aos nossos gênios ou espíritos protetores ainda estavam confusas. E foi a partir desta iniciativa do vocabulário que na segunda edição estas palavras ficaram melhor definidas. Tanto é assim que Kardec propõe o seguinte resumo:

Segunda edição
514. (...)
O Espírito protetor, anjo guardião ou bom gênio, é aquele que tem por missão acompanhar o homem na vida e ajudá-lo a progredir. Ele é sempre de uma natureza superior relativamente à do protegido.

Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por laços mais ou menos duráveis tendo em vista ser-lhes úteis, no limite de seu poder, frequentemente bastante limitado. Eles são bons mas, algumas vezes, pouco avançados e mesmo um pouco levianos. Eles se ocupam, de bom grado, dos detalhes da vida íntima e não agem senão por ordem ou com permissão dos Espíritos protetores.

Os Espíritos simpáticos são os que se sentem atraídos para nós por afeições particulares e uma certa semelhança de gostos e de sentimentos, no bem como no mal. A duração de suas relações é quase sempre subordinada às circunstâncias.

O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso que se liga ao homem para desviá-lo do bem, e age por sua própria iniciativa e não em virtude de uma missão. Sua tenacidade está em razão do acesso mais ou menos fácil que encontra. O homem está sempre livre para escutar sua voz ou repeli-la.

Compreendidas as definições definitivas vamos olhar para trás e ver como estavam colocados os diálogos na primeira edição. Vejam, por exemplo, o seguinte mapeamento:

Primeira edição
187. Há espíritos que se ligam a um indivíduo em particular?
"Sim, e a que chamais o gênio familiar."
__ Cada um de nós tem o seu espírito familiar?
"Sim."
__ O espírito familiar liga-se ao indivíduo desde o seu nascimento?
"Sim, e até a sua morte."
__ Há espíritos que se ligam a toda uma família?
"Sim."
Além da influência geral dos espíritos, cada um fica mais ou menos sob dependência de um espírito especial que lhe acompanha desde o nascimento até a sua morte. É o chamado seu espírito ou seu gênio familiar.
Há alguns que se ligam a uma família inteira, isto é, aos membros de uma mesma família que vivem em conjunto e estão unidos pela afeição.

Segunda edição
489. Há Espíritos que se ligam a um indivíduo em particular para o proteger?
"Sim, o irmão espiritual, a que chamais o bom Espírito ou o bom gênio."
492. O Espírito protetor liga-se ao indivíduo desde o seu nascimento?
"Desde o seu nascimento até a morte, e, frequentemente, o segue depois da morte na vida espírita, e mesmo em várias existências corporais, porque essas existências são apenas fases bem curtas com relação à vida do Espírito."
517. Há Espíritos que se ligam a toda uma família para protegê-la?
"Certos Espíritos se ligam aos membros de uma mesma família que vivem em conjunto e que estão unidos pela afeição, mas não creiais em Espíritos protetores do orgulho de raça."

Estruturalmente podemos observar que um único diálogo na primeira edição se desmembrou em três na segunda. Além disso, os comentários ou enunciados do diálogo original são incorporados às respostas.

Na resposta à primeira pergunta da primeira edição podemos notar uma leve correção: trocou-se o 'gênio familiar' por 'bom Espírito ou bom gênio'. Da mesma forma, na terceira pergunta Kardec substitui o 'familiar' por 'protetor'. Isto vem confirmar o cuidado que Kardec tem com as palavras.

A resposta a última pergunta apresenta uma ressalva que vale a pena a ser destacada, a de que não existem 'Espíritos protetores do orgulho de raça'. Com esta resposta previne-se contra possíveis más interpretações uma vez que, na sequência, no diálogo 519 se admite a existência de 'espíritos protetores especiais para aglomerações de indivíduos, como as sociedades, cidades ou nações'.

Destas quatro perguntas originais na primeira edição, a segunda pergunta não tem um equivalente direto na segunda edição. Isto porque nem sempre teremos um espírito protetor como está demonstrado no seguinte diálogo:

Segunda edição
500. Chega um momento em que o Espírito não tem mais necessidade de um anjo guardião?
"Sim, quando ele alcança um grau de poder conduzir a si mesmo, como chega o momento em que o escolar não tem mais necessidade do mestre; mas isso não ocorre sobre a vossa Terra."

Agora vamos para algo mais substancial... observem no próximo mapeamento como a idéia de que teríamos dois gênios opostos, o do bem e o do mal, ficou ultrapassada com a nova versão.

Primeira edição
189. Nós temos só um espírito familiar?
"Podemos ter dois, um bom e um mau."
__ Qual dos dois é aquele que possui maior influência?
"Aquele ao qual a pessoa deixa tomar conta dela."
__ Que se deve entender por anjo guardião ou bom gênio?
"O espírito familiar, quando é bom."
O espírito familiar nem sempre está só, muitas vezes há dois: um que empurra o homem à perdição, outro que o protege contra as tentações. O homem fica mais ou menos sob a influência de um ou de outro; predomina, entre os dois, aquele a cujo domínio ele se entregue.
O que vulgarmente se chama anjo guardião ou bom gênio é o gênio familiar quando ele é bom.

Segunda edição
511. Além do Espírito protetor, um mau Espírito é ligado a cada indivíduo tendo em vista compeli-lo ao mal e lhe fornecer uma ocasião de lutar entre o bem e o mal?
"Ligado não é o termo. É bem verdade que os maus Espíritos procuram desviar do bom caminho quando encontram oportunidade; mas quando um deles se liga a um indivíduo, o faz por si mesmo, posto que espera ser escutado. Então, há a luta entre o bom e o mau, e vence aquele que o homem deixa imperar sobre si."
490. Que se deve entender por anjo guardião?
"O Espírito protetor de uma ordem elevada."

Na primeira edição fica claro o entendimento de que a cada um de nós seria destinado dois gênios, um bom e um mau. Já na segunda edição entende-se que apenas o bom gênio tem esta destinação, embora um mau espírito possa 'procurar nos desviar do bom caminho'.

Observam agora que este novo entendimento implicou novas revisões. No próximo mapeamento a segunda pergunta foi descartada por não fazer mais sentido na nova proposta:

Primeira edição
190. O gênio protetor abandona algumas vezes seu protegido, e por que motivo?
"Ele se afasta quando nele verifica uma natureza má e predisposição a se entregar ao mau gênio. Todavia, não o abandona completamente, e se faz sempre ouvir sendo, então, o homem quem fecha os ouvidos. Ele retorna, desde que chamado."
__ O mau espírito se retira também algumas vezes?
"Sim, quando nada tem a fazer; mas espreita sempre as ocasiões de te induzir ao mal."
O bom espírito ...

Segunda edição
495. O Espírito protetor abandona algumas vezes seu protegido quando este é rebelde aos seus conselhos?
"Ele se afasta quando vê seus conselhos inúteis, e que a vontade de sofrer a influência dos Espíritos inferiores é mais forte. Todavia, não o abandona completamente, e se faz sempre ouvir sendo, então, o homem quem fecha os ouvidos. Ele retorna, desde que chamado.
É uma doutrina ..."

Ainda há uma outra observação interessante a fazer neste último mapeamento... a sequência da resposta na segunda edição é a reprodução de uma extensa comunicação espontânea obtida na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas pelos Espíritos São Luis e Santo Agostinho (edição de janeiro de 1859 da Revista Espírita).

Ainda temos outros mapeamentos neste tema que mostram como a generalização das respostas acabam por deixar os ensinamentos mais coerentes. Esta aparente imprecisão contribui para que os ensinamentos fiquem melhor definidos. Por exemplo, vemos no próximo mapeamento como a relativização da qualidade do espírito protetor de um selvagem torna a resposta na segunda edição mais genérica e adequada.

Primeira edição
192. Todas as pessoas possuem seu gênio familiar?
"Sim."
__ O ser humano ainda selvagem ou de baixo grau tem igualmente o seu gênio familiar?
"Sim, mas então o mau tem o predomínio."
__ Após esta vida reconheceremos nosso bom e nosso mau gênio?
"Sim, já os conhecíeis antes de serdes encarnados."
Todos os seres humanos têm seu gênio familiar em qualquer grau da escala social ao qual pertença; mas entre os homens ainda atrasados em seu desenvolvimento moral e intelectual, são os espíritos imperfeitos que predominam.
Todos, ao deixarem a vida corporal para penetrar o mundo dos espíritos, reconhecerão lá seus bons e maus gênios.

Segunda edição
509. Os homens no estado selvagem ou de inferioridade moral, têm, igualmente seus Espíritos protetores? Nesse caso, esses Espíritos são de uma ordem tão elevada quanto aqueles dos homens mais avançados?
"Cada homem tem um Espírito que vela sobre ele, mas as missões são relativas ao seu objetivo. Não dais a uma criança que aprende a ler um professor de filosofia. O progresso do Espírito familiar segue o do Espírito protegido. Tendo vós mesmos um Espírito superior que vela sobre vós, podeis, a vosso turno, virdes a ser o protetor de um Espírito que vos é inferior, e os progressos que o ajudardes a fazer contribuirõa para o vosso adiantamento. Deus não pede ao Espírito, além do que comportem sua natureza e o grau que alcançou."
506. Quando estivermos na vida espírita, reconheceremos nosso Espírito protetor?
"Sim, porque, frequentemente, vós o conhecíeis antes de encarnardes."

Observem ainda neste mapeamento que na primeira edição afirma-se de forma precisa que todos os espíritos conhecem seus bons e maus gênios antes de encarnarem. Já na segunda edição, isto é dado como uma possibilidade, ou seja, de forma mais imprecisa, mas mais coerente.

5 comentários:

Leopoldo Daré disse...

Bom dia Vital.

Os mapeamentos estão ficando mais completos com a utilização da Revista Espírita e da Instruções Práticas.
Outra coisa que me chamou a atenção nestas mudanças sobre os Espíritos que nos influenciam, foi a DIVERSIFICAÇÃO. O que é coerente com um modelo mais complexo de mundo espiritual e da própria natureza que se apresenta na segunda edição. O que se relaciona com o que já discutimos sobre gradualidade e relativismo.
Ou seja, apesar da forte presença positivista, para mim, fica claro a presença de um modelo complexo, que aceita a intrudução das teorias probabilisticas, que serão o centro de teorias quânticas e teorias do caos.

grande abraço

Vital Cruvinel disse...

Bom dia, Leo!

Você encontrou uma boa palavra: diversificação. Na nova edição ela se observa no aumento de possibilidades das nossas relações com estes espíritos. E isto me parece estar de acordo com o que caracteriza nossa individualidade e subjetividade.

Abraço!

Anônimo disse...

Amiable dispatch and this enter helped me alot in my college assignement. Say thank you you on your information.

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado

yina disse...

PORQUE GENTE FICA SEM PROTEÇÃO ESPIRITUAL NÃO FIZ NADA DE MAL A ELES