terça-feira, 30 de dezembro de 2008

De Reencarnar para Reencarnando


OBSERVAÇÃO:
este texto complementa-se com o artigo “Xavier, de corpo e alma”. Buscamos neste artigo apresentar o processo cronológico e histórico de reformulação do modelo teórico de reencarnação que Kardec sintetiza na segunda edição d'O Livro dos Espíritos, reformulando o que havia apresentado na primeira edição.

Na primeira edição d'O Livro dos Espiritos temos todo o diálogo 86 direcionado ao tema “momento da união da alma ao corpo” (3 perguntas), reforçado no diáogo 104 (2 perguntas):

O Livro dos Espíritos, Primeira Edição, abril de 1857 :

86: Em que momento a alma se une ao corpo? R: “Ao nascimento.”
86a: Antes do nascimento a criança tem uma alma? R: “Não”
86b: Como vive então? R: Como as plantas.

104: A alma é um ser independente do princípio vital? R: “Sim, o corpo vivo é apenas envoltório; repetimo-lo sem cansar”.
104a: O corpo vivo pode viver sem alma? R: “Sim; e, não obstante, dês que o corpo cessa de viver, a alma o deixa. Antes de nascer o corpo, a alma não está nele; não há ainda união de alma e corpo...”


Kardec não estando satisfeito com as respostas, continua buscando novas soluções. Na Revista Espírita publica novas comunicações:

Revista Espírita, março de 1858, Conversas Familiares de Além-Túmulo, O Doutor Xavier:

Este diálogo apresenta 6 perguntas sobre o desligamento entre alma e corpo no momento da morte (perguntas 18 a 23). Em seguida temos 4 perguntas sobre o momento de ligação da alma ao corpo (perguntas 24, 25, 29 e 30) e 3 perguntas sobre aborto (perguntas 26 a 28).

24: Em que momento se opera a união entre a alma e o corpo na criança? R: “Quando a criança respira; como se recebesse a alma com o ar exterior”

25: Como, então, explicais a vida intra-uterina? R: “É a planta que vegeta. A criança vive vida animal.”

29: A união entre a alma e o corpo opera-se instantanea ou gradualmente? Isto é, será necessário um tempo apreciável para que essa união seja completa? R: “O Espírito não entra bruscamente no corpo. Para medir esse tempo, imaginai que o primeiro sopro que a crinaça recebe é a alma que entra no corpo: o tempo que o peito se eleva e se abaixa.”


Revista Espírita, fevereiro de 1859, Dissertação de Além-Túmulo, A Infância:

É um texto longo, onde destacaremos alguns pontos: “Não conheceis o segredo que, na sua ignorância, esconde as crianças... mesmo numa criança de natureza má seus defeitos são cobertos pela inconsciência de seus atos... Mas quando as crianças não mais necessitam dessa proteção, dessa assistência que lhe foi prodigalizada durante quinze ou vinte anos, seu caráter real e individual reaparece em toda a sua nudez... A fraqueza da tenra idade os torna felixíveis, acessíveis aos conselhos da experiência e daqueles que devem fazê-los progredir...”


Revista Espírita, dezembro de 1859, Boletim da Sociedade Parisiense, Sexta-feira, 30 de setembro, Comunicações diversas, 1 - Leitura de uma comunicação espontânea dada ao Sr. R... pelo Espírito do Dr. Olivier:

“Essa comunicação é notável... o fato de sua próxima reencarnação, cujos efeitos começa a sentir por um princípio de pertubação, confirma a teoria que foi dada sobre a maneira pela qual se opera esse fenômeno, bem como a fase que precede a reencarnação... Essa perturbação, resultado do laço fluídico que começa a se estabelecer entre o Espírito e o corpo... Essa perturbação, que vai sempre aumentando, da concepção ao nascimento, é complexa ao aproximar-se este úlitmo momento e não se dissipa senão gradualmente, algum tempo depois” (será publicada com as outras comunicações do mesmo Espírito).


Revista Espírita, janeiro de 1860, Boletim da Sociedade Parisiente, Sexta-feira, 23 de dezembro de 1859, Comunicações diversas,

“1 - Leitura de uma evocação particular, feita pela Sra. De B..., do Espírito... Paul Miffet... no momento em que ia reencarnar-se. Essa evocação, que apresenta um interesante quadro da reencarnação e da situação física e moral do Espírito nos primeiros instantes de sua vida corporal, será publicada”.

O Livro dos Espíritos, Segunda Edição, março de 1860:

Apresenta 13 diálogos (total de 16 perguntas) especificamente sobre a união da alma ao corpo, seguidas de 4 perguntas sobre o aborto (diálogos 344 a 360)

344: Em que momento a alma se une ao corpo? R: “A união começa na concepção, mas só se completa no momento do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espirito... se liga por um laço fluídico...”

351: No intervalo que vai da concepção ao nascimento, o Espírito desfruta de todas as suas faculdades? R: “... a partir do instante da concepção, o Espírito começa a ser tomado de perturbação... esta perturbação vai crescendo até o nascimento...”

352: No momento do nascimento o Espírito recobra imediamente a plenitude de suas faculdades? R: “Não; elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos...”

354: Como se explica a vida intra-uterina? R: “É da planta que vegeta. A criança vive a vida animal. O homem possui em si a vida animal e a vida vegetal...”


Adiante, Kardec apresenta 7 diálogos sobre a infância (perguntas 379 a 385), que complementam a teoria da reencarnação:

380: ... o Espírito de uma criança de tenra idade pensa como uma criança ou como um adulto? R: “... a perturbação que acompanha a encarnação não cessa de súbito por ocasião do nascimento. gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos.”

385: Qual a razão da mudança que se opera no caráter do indivíduo em certa idade, especialmente ao sair da adolescência?... R: É o Espírito que retorna a sua natureza e se mostra tal qual era. (a partir deste ponto adiciona, na íntegra, a dissertação da Revista Espírita de fevereiro de 1859 “A Infância”)


Conclusão:

Apesar de Kardec não ter publicado duas importantes comunicações, extrapolando a partir de seus comentários nos Boletins da Sociedade Parisiense, é possível desenhar o caminho percorrido para reformular o modelo teórico da reencarnação. Há uma profunda modificação de uma proposta instantânea do “tudo ou nada” para uma proposta de gradualidade. Esta proposta de reencarnação gradual avança para a explicação da fase infantil. Podemos dizer que o processo de reencarnação proposto na segunda edição d'O Livro dos Espíritos finaliza-se apenas com o fim da adolescência.

Este estudo também demonstra a metodologia kardequiana de unir discursos conflitantes. Kardec utilizou parcialmente as idéias apresentadas em todas as comunicações, desde as publicadas na primeira edição de 1857, passando por todas as mensagens publicadas na Revista Espírita, até chegar a 1860. O modelo apresentado na segunda edição d'O Livro dos Espíritos é uma síntese possível, que se propõe a ser melhor que todas as anteriores por ser o resultado da análise e aproveitamento do que há de mais coerente de todas.

Nota Final: não encontramos, no restante da Revista Espírita, as publicações das comunicações do Dr. Olivier e de Paul Miffet na íntegra. Convidamos a todos os leitores, caso as encontrem, enviar-nos através deste blog.

3 comentários:

Vital Cruvinel disse...

Muito legal, Leo!

Complementou bem o artigo original... será que o Museu Espírita em São Paulo não tem estes artigos que não foram publicados na Revista Espírita?

Abraço!

Dermeval Carinhana Jr. disse...

Meu amigo Léo,

Como sempre, parabéns pela contribuição à cultura espírita.

Em um momento em que a Ciência Espírita parece se esquecer que seu foco é o espírito e suas manifestações inteligentes, a análise mais profunda dos diálogos de Kardec com os espíritos é muito bem-vinda.

Sobre esse tópico específico gostaria de acrescentar algo que me chamou bastante a atenção: ao contrário do que sugerem alguns, a ciência espírita em nada fica devendo às demais ciências no que diz respeito à sua capacidade de buscar a verdade.

É a partir de trabalhos sérios como o de Kardec e de outros pesquisadores espíritas que o diálogo com os espíritos, aliado a uma obsevação rigorosa das nuances do ambiente espírita, por si só consiste em um método consistente de se compreender a alma humana, em seu estado passado, presente e futuro, assim como o são os diálogos de um antropólogo que tenta identificar os principais elementos culturais de uma tribo de índios recém-descoberta.

Em resumo, ainda que isso seja possível em alguns casos, obras como a de Kardec não são apenas um bate-papo filosófico, mas sim um trabalho sério de investigação do mundo, tanto o invisível como também o invisível.

Eis aí, na minha opinião, a principal colaboração de trabalhos como o "Decodificando o Livro dos Espíritos".

Mais uma vez, parabéns aos caros amigos.

Dermeval Carinhana Jr.
Editor Revista de Estudos Espíritas
www.ree.org.br

Leopoldo Daré disse...

Caro Dermeval

concordo plenamente com suas palavras. O trabalho adquire características científicas no momento em que Kardec faz a comparação, análise e síntese das informações, organizando-as de forma coerente. Neste processo de organização, são excluídas e reformuladas as contradições.

E vamos em frente, esperando que juntos consigamos tornar a clareza um instrumento para nossas práticas.

abraços