quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mundos transitórios

Num artigo publicado em maio de 1859 sob o título 'Os mundos intermediários ou transitórios' Kardec trava um extenso diálogo com o espírito Santo Agostinho. E praticamente todo este diálogo é reproduzido nos números 234, 235 e 236 da segunda edição do Livro dos Espíritos.

Em especial a resposta à primeira pergunta do diálogo 234 é formada pela combinação da resposta de Santo Agostinho e uma resposta dada por Mozart em uma outra comunicação obtida no mesmo mês. Isto vem do fato de que o tema da nova comunicação foi proposto exatamente por causa da comunicação anterior. Vejam:

Revista Espírita, maio de 1859
Os mundos intermediários ou transitórios
1. (A Santo Agostinho) Como nos foi dito, existem mundos que servem aos Espíritos errantes como estações e locais de repouso?
"Há-os, mas não graduados; quer dizer que ocupam posições intermediárias entre os outros mundos, de acordo com a natureza dos Espíritos que podem alcançá-los, e que neles gozam de um bem-estar maior ou menor."

Música de além-túmulo
22. (A Mozart) Teríeis a bondade de nos explicar o que Chopin acaba de dizer? Não compreendemos essa execução por Espíritos errantes.
"Concebo vosso espanto; todavia, dissemos-vos que há mundos particularmente destinados aos seres errantes e nos quais podem habitar temporariamente; espécies de acampamentos, de campos para repousar seus espíritos fatigados por uma muito longa erraticidade, estado sempre um pouco penoso."

Segunda edição
234. Como ficou dito, existem mundos que servem aos Espíritos errantes como estações e locais de repouso?
"Sim, há mundos particularmente destinados aos seres errantes e nos quais podem habitar temporariamente; espécies de acampamentos, de campos para se repousar de uma muito longa erraticidade, estado sempre um pouco penoso. São posições intermediárias entre os outros mundos, graduados de acordo com a natureza dos Espíritos que podem alcançá-los, e nele gozam de um bem-estar maior ou menor.
__ Os espíritos ...

É interessante notar ainda que a resposta de Mozart foi sutilmente modificada removendo-se a expressão "seus espíritos fatigados" porque com ela passava-se a idéia de que o espírito (com 'e' minúsculo) seria um corpo do Espírito (com 'E' maiúsculo). E isto não está propriamente de acordo com os outros ensinamentos espíritas... para mais detalhes veja o tópico Repouso físico e moral.

As perguntas 2, 3 e 4 do diálogo com Santo Agostinho estão mapeadas respectivamente na segunda pergunta do diálogo 234, na pergunta do 235 e na primeira pergunta do 236. Já a resposta à segunda pergunta do diálogo 236 é formada pelas fusão das respostas às perguntas 5, 6 e 7 dirigidas a Santo Agostinho... vejam:

Revista Espírita, maio de 1859
Os mundos intermediários ou transitórios
5. São eles, ao mesmo tempo, habitados por seres corpóreos?
"Não."
6. Têm uma constituição análoga à dos outros planetas?
"Sim, mas a superfície é estéril."
7. Por que essa esterilidade?
"Aqueles que os habitam não têm necessidade de nada."

Segunda edição
236. Os mundos ...
__ São eles, ao mesmo tempo, habitados por seres corporais?
"Não, a superfície é estéril. Aqueles que os habitam não têm necessidade de nada."

Continuando os mapeamentos temos as perguntas 8, 9, 11 e 12 associadas a terceira, quarta, quinta e sexta perguntas do diálogo 236. A única pergunta original faltante é a de número 10. Vamos observá-la:

Revista Espírita, maio de 1859
Os mundos intermediários ou transitórios
10. Há desses mundos no nosso sistema planetário?
"Não."

Embora bem simples e objetiva esta pergunta é muito interessante e não teria sido descartada por Kardec se ele não tivesse um motivo significativo. Não podemos ter certeza de qual é este motivo, mas uma hipótese é a de que ele não se sentia seguro nesta informação. E esta insegurança pode ter sido provocada pelo seu bom senso ou por informações de outros espíritos que indicavam o contrário.

E, de fato, muito provavelmente a maioria dos planetas do nosso sistema planetário não são habitados por seres corporais, isto é, são estéreis.

Para completar a análise comparativa destes diálogos reproduzimos abaixo o segundo parágrafo dos comentários de Kardec em que ele insere uma nova frase:

Segunda edição
236.
(...) Qual seria, então a utilidade dos outros? Deus não os teria feito senão para recrear os nossos olhos? Suposição absurda incompatível com a sabedoria que emana de todas as suas obras, e inadmissível quando se imagina tudo aquilo que não podemos perceber. Ninuém contestará que nesta idéia de mundos ainda impróprios à vida material e, portanto, povoado de seres viventes apropriados a este meio, há alguma coisa de grande e de sublime, onde se encontra, talvez, a solução de mais de um problema.

Com exceção desta nova frase todo o comentário foi mantido como o original. Aparentemente, ela reforça a idéia de que "não podemos perceber" tudo, ou seja, que não podemos compreender todas as coisas.

3 comentários:

Leopoldo Daré disse...

Muito bom Vital!
Este seu mapeamento extende nosso projeto inicial para um trabalho mais amplo e mais comprovatório do método de Kardec. Notamos que as fusões de respostas de um mesmo Espírito e de Espíritos diferentes é uma prática que se consolida.
A seleção de conteúdos de entrevistas, onde Kardec não dá continuidade a tudo que recebe, também está muito bem exemplificado neste seu artigo.
Parabéns, vamos em frente que mais coisas chegarão!

Leopoldo Daré disse...

bom dia Vital
Estou completando meu comentário.
Sobre a sua discussão do Espírito ("E" maiúsculo) e espírito ("e" minúsculo). Acredito que a exclusão daquele pequeno trecho não se deva ao uso de espírito ou Espírito, pois Kardec poderia grafar no livro com "E" maiúsculo. Inclusive, ainda não consegui localizar quanto tempo antes da segunda edição d'O Livro dos Espíritos Kardec consolida o conceito de "Espírito", e diferencia Espírito de espírito. Este é uma questão para buscarmos um mapeamento na Revista Espírita. Anotarei esta tarefa.
abraços

Vital Cruvinel disse...

Obrigado, Leo!
Acho que você tem razão com relação ao "e" do espírito. O uso nesta mensagem é diferente, pois está mais para 'corpo espiritual' do que para 'princípio inteligente'. Aliás, como corpo espiritual ou perispírito fica contraditório com a idéia de que o espírito precisa apenas do repouso moral e não do físico. Assim, Kardec preferiu a remoção do trecho do que substituir a palavra espírito por outra.
Abraço!