sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Indo aos originais

Às vezes, em nossas pesquisas nos deparamos com questões controversas de edição dos livros. Na pesquisa sobre o momento da união da alma ao corpo apresentamos trechos de um artigo publicado na edição de março de 1858 da Revista Espírita. Neste artigo encontramos uma nota final que referenciava diálogos da segunda edição do Livro dos Espíritos que seria lançada somente dois anos depois.

Revista Espírita, março de 1858
O doutor Xavier
Nota. A teoria, dada por esse Espírito, sobre o instante da união da alma e do corpo, não é inteiramente exata. A união começa desde a concepção; quer dizer, desde esse momento, o Espírito, sem estar encarnado, liga-se ao corpo por um laço fluídico que vai se apertando, mais e mais, até o nascimento; a encarnação não se completa senão quando a criança respira. (Ver O Livro dos Espíritos, n 344 e seguintes.)

Logicamente esta referência não deveria estar lá e, assim, fomos em busca dos originais. A primeira tentativa foi através da Biblioteca Virtual Espírita da Federação Espírita do Paraná. Lá obtivemos uma fotocópia de uma compilação de todas as edições de 1858. Porém, esta compilação teria sido feita em 1861, após o lançamento da segunda edição do Livro dos Espíritos. E, a esta altura, a referida nota já tinha sido escrita.

Portanto, temos mais de uma versão original e a busca pela mais antiga seria ainda mais difícil. Restou-nos a alternativa da procurar em bibliotecas espíritas antigas e bem estruturadas. Felizmente, acertamos ao visitar em São Paulo o único Museu Espírita do mundo que possui, entre tantas coisas, um extenso acervo de mais de quatro mil livros incluindo obras raras.

Sob os cuidados e atenção do simpático doutor Paulo tivemos acesso a um original da Revista Espírita de 1858 (*) que, segundo prevíamos, não continha a referência a nova edição do Livro dos Espíritos. Além disso, verificamos que toda a nota não estava lá. Isto significa que a interpretação de que a ligação do espírito ao corpo se inicia na concepção é posterior a publicação do artigo.

Aproveitamos também para conferir uma outra nota após a pergunta 24 do citado artigo: "Em que momento se opera a união da alma e do corpo, na criança? Quando a criança respira; como se recebesse a alma com o ar exterior.". Observem a remoção da frase inicial (**) da nota no original mais antigo:

Revista Espírita, março de 1858
O doutor Xavier (original)
Nota. O ensino dos espíritos tem sido sempre o mesmo sobre esta questão e as decorrentes dela.
(Essa opinião é conseqüência de dogma católico. Com efeito, a Igreja ensina que a alma não pode ser salva senão pelo batismo; ora, como a morte natural intra-uterina é muito freqüente, em que se tornaria essa alma privada, segundo ela, desse único meio de salvação, se ela existia no corpo antes do nascimento? Para ser conseqüente, seria preciso que o batismo tivesse lugar, se não de fato, pelo menos de intenção, desde o instante da concepção.)

Revista Espírita, março de 1858
O doutor Xavier (original revisado)
Nota. Essa opinião é conseqüência de dogma católico. Com efeito, a Igreja ensina que a alma não pode ser salva senão pelo batismo; ora, como a morte natural intra-uterina é muito freqüente, em que se tornaria essa alma privada, segundo ela, desse único meio de salvação, se ela existia no corpo antes do nascimento? Para ser conseqüente, seria preciso que o batismo tivesse lugar, se não de fato, pelo menos de intenção, desde o instante da concepção.

Originalmente, Kardec teria confirmado a resposta a pergunta 24 atestando a sua concordância com os ensinamentos espíritas recebidos até então. Isto é, até aquela data compreendia-se que a união da alma ao corpo se operava com o nascimento da criança.

É interessante observar ainda que o restante da nota no original está entre parênteses indicando que se tratava de uma idéia a ser elaborada. E, provavelmente, ela é o início da reflexão de Kardec para o desenvolvimento da nova hipótese, a de que a união da alma é um processo que se inicia na concepção e se completa ao nascimento.

(*) infelizmente, esquecemos de conferir o ano exato da impressão deste original.
(**) No original: "L'enseignement des esprits a toujours été identique sur cette question et celles qui en découlent."

Um comentário:

Leopoldo Daré disse...

Caro Vital

Este trabalho "decodificando" está cada vez mais, enriquecendo-se com as características de uma bela pesquisa científica.

e vamos lá!
vamos retornar mais vezes ao Museu!

abraços