quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Graças particulares

Da primeira para a segunda edição do Livro dos Espíritos, as questões de ordem moral sofreram poucas alterações. Um ou outro diálogo foi refeito, algumas respostas foram desenvolvidas, e mais alguns diálogos foram introduzidos. A prece foi uma destas questões e, aqui, faremos apenas as observações mais pertinentes.

Desde a primeira edição, as respostas já valorizavam a prece quando ela parte do coração. Mas, é na segunda edição que Kardec dá uma maior ênfase ao valor do sentimento empregado na prece. Vejam, por exemplo, o mapeamento abaixo:

Primeira edição
312. A prece é agradável a Deus?
"Sim, quando ela parte de um coração sincero. A intenção é tudo para ele, e a prece do coração é preferível à que se pode ler, por bela que seja."
A prece, na qual a inteligência e o pensamento não tomam parte, não é uma prece: são palavras que não têm nenhum mérito aos olhos de Deus.

Segunda edição
658. A prece é agradável a Deus?
"A prece é sempre agradável a Deus quando é ditada pelo coração, porque a intenção é tudo para ele, e a prece do coração é preferível à que se pode ler, por bela que seja, se a lês mais com os lábios que com o pensamento. A prece é agradável a Deus quando ela é dita com fé, fervor e sinceridade. Mas não creais que ele seja tocado pela do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que isso seja, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de verdadeira humildade."

Na segunda edição Kardec coloca "a fé, o fervor e a sinceridade" como elementos necessários a uma prece que agrada a Deus. Assim, valoriza-se mais o sentimento do que o pensamento.

Poucas são as vezes em que Kardec teve que corrigir ou remover algum ensinamento dado na sua primeira edição. Das várias perguntas e respostas sobre a prece uma delas destoou das demais ao associar as graças particulares com os propósitos da prece. Reparem:

Primeira edição
310. Qual é o objetivo da prece?
"Atrair ao pedinte graças particulares."
__ Não poderíamos merecer acaso tais graças senão pela prece?
"Não; Deus sabe o que vos é preciso; mas, pela prece atrais mais particularmente a sua atenção, porque orar é pensar em Deus e adorá-lo.»

Segunda edição
659. Qual é o caráter geral da prece?
"A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele, se aproximar dele e colocar-se em comunicação com ele. Pela prece pode-se propor três coisas: louvar, pedir e agradecer."

Na segunda edição Kardec remove as "graças particulares" e, ao mesmo tempo, corrige a resposta apontando os novos propósitos "louvar, pedir e agradecer". Esta correção deve ser, provavelmente, uma daquelas que Kardec teria indicado em seu aviso sobre a nova edição:

Revista Espírita, março de 1860
Aviso sobre a segunda edição
... Esta reimpressão pode, pois, ser considerada como uma obra nova, embora os princípios não hajam sofrido nenhuma mudança, com um número muito pequeno de exceções, que são antes complementos e esclarecimentos que verdadeiras modificações. ...

É interessante destacar ainda um exemplo de remoção de ensinamentos duplicados contidos na primeira edição. Vejam que na nova edição mantém-se apenas um único diálogo:

Primeira edição
311. Pode-se orar aos espíritos?
"Sim, aos bons; orar a eles é como os evocar; e, quando a prece for sincera, não deixarão jamais de vir até vós e vos assistir tanto quanto isso lhes seja permitido: é sua missão; são vossos intérpretes perante Deus."
498. As preces ... ?
__ Uma vez que são os espíritos que operam diretamente, a quem se deve orar de preferência, a Deus ou aos espíritos?
"Os espíritos ouvem as preces endereçadas a Deus e executam suas ordens; somos seus ministros."

Segunda edição
666. Pode-se orar aos Espíritos?
"Pode-se orar aos bons Espíritos como sendo os mensageiros de Deus e os executores de suas vontades, mas seu poder está em razão de sua superioridade e depende sempre do senhor de todas as coisas, sem cuja permissão nada se faz. Por isso, as preces que se lhes endereça não são eficazes, se não são agradáveis a Deus."

Novamente aqui podemos recuperar as palavras de Kardec para confirmar o objetivo desta remoção:

Revista Espírita, março de 1860
Aviso sobre a segunda edição
... Preferimos esperar a reimpressão do livro para fundir todo o conjunto, e nisto aproveitamos para dar, na distribuição das matérias, uma ordem muito mais metódica, ao mesmo tempo que podamos tudo o que tinha duplo emprego. ...

4 comentários:

Leopoldo Daré disse...

Caro Vital

Achei muito interessante esta sua comparação e análise.

Apenas sobre as mudanças das Leis Morais entre a primeira e segunda edição, desejo fazer uma ressalva. Ainda não escrevi nenhum artigo para publicarmos no blog, porém realizei a comparação de alguns capítulos do Livro Terceiro (Leis Morais). Apesar de não haver grandes mudanças no conteúdo inicial, há bom número de acréscimos e há grande rearranjo de diálogos.
Os diálogos da segunda edição são um maravilhoso quebra cabeça da primeira edição.

grande abraços

Vital Cruvinel disse...

Oi, Leo!

O que vejo é que a essência dos ensinamentos mudou bem pouco nas questões morais. Mas, como você disse, alguns diálogos se tornam mais explicativos e outros são adicionados com o mesmo objetivo, esclarecer e desenvolver os textos iniciais.

Quanto aos arranjos, neste tema mesmo, temos o diálogo 654 da segunda edição formado pelos seguintes trechos da primeira edição:

* Terceira pergunta da 308
* Resposta a terceira pergunta da 308
* Segunda resposta a quarta pergunta da 308
* Trecho novo

Abraço!

usuário disse...

Qual é a tradução mais fiel dos livros compilados por Kardec? Aguardo.

Vital Cruvinel disse...

Olá, amigo(a)!

Sobre as traduções tenho uma opinião pessoal. As traduções de Salvador Gentile, publicadas pela IDE, me parecem ser as mais fiéis.

Abraço!