segunda-feira, 9 de março de 2009

Tudo se encadeia mais ainda

A questão da alma dos animais é daquelas que mais nos intrigam e nos fascinam. Saber se a alma do ser humano tem um ponto de contato com a alma de outros seres é algo aparentemente básico mas ao mesmo tempo muito profundo. Por isso, a prudência na exposição do tema é sempre bem vinda.

Ficamos muito felizes em receber do respeitado professor Silvio Chibeni uma nova e importante informação sobre os acréscimos e modificações na décima terceira edição do Livro dos Espíritos. No seu artigo original Chibeni reproduz a nota explicativa desta décima terceira edição (publicada em 1865) e um dos pontos desta nota se refere a algum acréscimo nos comentários finais após o diálogo 613.

Chibeni nos contou que teve acesso a uma edição anterior a décima terceira e confirmou os acréscimos. Embora ele ainda pretenda divulgar esta e outras informações em um novo artigo, ele gentilmente nos autorizou a repassar a informação. Enfim, todos os comentários começando pela frase "O ponto de partida do Espírito ..." até o fim foram inseridos a partir da décima terceira edição.

Estes acréscimos foram reproduzidos por nós em um outro tópico Tudo se encadeia onde se procurou demonstrar como a questão da alma dos animais era controversa e Kardec sabiamente deixou-a aberta para futuros desenvolvimentos. E é sobretudo por meio destes acréscimos que chegamos a esta conclusão.

Quando comparamos estes acréscimos com um outro texto de Kardec publicado um ano antes na Revista Espírita em que ele aborda a questão vemos que a essência e o estilo são praticamente os mesmos. E agora tudo se encadeia mais ainda porque este artigo veio pouco antes da publicação dos acréscimos e este após novas comunicações e desenvolvimentos feitos pelo próprio Kardec desde a publicação da segunda edição.

Para se ter uma idéia de como o assunto era controverso vamos elencar alguns trechos de alguns artigos da Revista Espírita entre 1860 e 1865. Primeiramente, vamos começar por dois artigos publicados em março de 1860 quando a segunda edição do Livro foi publicada. Veja que os dois são sutilmente favoráveis à idéia de um ponto de contato entre as almas embora sem maiores desenvolvimentos.

Estudos sobre o Espírito de pessoas vivas
Revista Espírita, março de 1860
65. Pode aperfeiçoar-se ao ponto de se tornar um Espírito humano? - R. Ele o pode, mas depois de passar por muitas existências animais, seja no nosso planeta terrestre, seja em outros.

O Gênio das flores
Revista Espírita, março de 1860
2. Este Espírito é chamado Hettano; como ocorre que ele não tenha um nome e que jamais encarnou? - R. É uma ficção. O Espírito não preside, de um modo particular, à formação das flores; o Espírito elementar, antes de passar para a série animal, dirige a ação fluídica na criação do vegetal; este não está ainda encarnado;

Nos meses e no ano seguintes houve um recuo de posicionamento e novos artigos apareceram para reforçar a idéia de que o homem é um ser a parte na Criação. Vejam:

A Frenologia e a Fisiognomonia
Revista Espírita, julho de 1860
... ora, admitindo-se mesmo, o que não é senão um sistema, que o Espírito tenha passado por todos os graus da escala animal, antes de chegar ao homem, haveria sempre, de um ao outro, uma interrupção que não existiria se o Espírito do animal pudesse se encarnar diretamente no corpo do homem. Se assim fora, entre os Espíritos errantes haveria Espíritos de animais, como há Espíritos humanos, o que não tem lugar.
Sem entrar no exame aprofundado dessa questão, que discutiremos mais tarde, dizemos, segundo os Espíritos, que estão nisso de acordo com a observação dos fatos, que nenhum homem é a encarnação do Espírito de um animal.

Dos animais
Revista Espírita, julho de 1860
15. Isto é perfeitamente verdadeiro para os indivíduos e as espécies; mas considerando-se o conjunto da escala dos seres, há uma marca ascendente evidente, que não se detém nos animais da Terra, uma vez que os de Júpiter são superiores aos nossos, física e intelectualmente. - R. Cada raça é perfeita em si mesma, e não emigra nas raças estranhas; em Júpiter são os mesmos tipos formando raças distintas, mas não são os Espíritos de animais defuntos.

Origens
Revista Espírita, agosto de 1860
... não duvideis da vossa origem divina, ela é direta; sois os frutos de um lento progresso; não passastes pela fieira animal; sois positivamente os filhos de Deus.

Os animais médiuns
Revista Espírita, agosto de 1861
Desse progresso constante, invencível, irrecusável da espécie humana, esse estacionamento indefinido das outras espécies animadas, concluí comigo que, se existem princípios comuns ao que vive e se move sobre a Terra: o sopro e a matéria, não é menos verdadeiro que só vós, Espíritos encarnados, estais submetidos a essa inevitável lei do progresso, que vos impele fatalmente para a frente, e sempre para a frente.

Após um intervalo de dois anos sem publicar artigos sobre os animais Kardec publica em 1864 dois artigos colocando um ponto de interrogação na questão. Parece ser uma fase de reflexão ou talvez, quem sabe, um ponto de inflexão.

Estudos sobre a reencarnação
Revista Espírita, fevereiro de 1864
Tomemos o Espírito em seu início na carreira humana; estúpido e bruto, sente, no entanto, a centelha divina nele, uma vez que adora um Deus, que ele materializa segundo a sua materialidade. Nesse ser, ainda vizinho do animal, há uma aspiração instintiva, quase inconsciente, rumo a um estado menos inferior.

Da perfeição dos seres criados
Revista Espírita, março de 1864
A questão dos animais pede alguns desenvolvimentos. Eles têm um princípio inteligente, isto é incontestável. De que natureza é esse princípio? Que relações tem com o do homem? É estacionário em cada espécie, ou progressivo passando de uma espécie à outra? Qual é para ele o limite do progresso? Caminha paralelamente ao homem, ou bem é o mesmo princípio que se elabora e ensaia a vida nas espécies inferiores, para receber mais tarde novas faculdades e sofrer a transformação humana? São tantas questões que ficaram insolúveis até este dia, e se o véu que cobre esse mistério não foi ainda levantado pelos Espíritos, é que isso teria sido prematuro: o homem não está ainda maduro para receber tanta luz.

Já no ano seguinte em 1865, ano da publicação da décima terceira edição do Livro quando foram acrescentados os importantes comentários ao final do diálogo 613, Kardec publica alguns artigos sustentando e esclarecendo a hipótese da ligação da alma humana e animal e indicando os motivos para que tal hipótese ainda não tivesse sido apresentada como verdadeira.

Destruição dos seres vivos uns pelos outros
Revista Espírita, abril de 1865
É neste primeiro período que a alma se elabora e ensaia para a vida. Quando ela alcança o grau de maturidade necessária para sua transformação, recebe de Deus novas faculdades: o livre arbítrio e o senso moral, centelha divina em uma palavra, que dão um novo curso às suas idéias, dotam-na de novas aptidões e de novas percepções.
Mas as novas faculdades morais das quais está dotada não se desenvolvem senão gradualmente, porque nada é brusco na Natureza; há um período de transição em que o homem se distingue com dificuldade do animal;

Manifestação do espírito dos animais
Revista Espírita, maio de 1865
Mas tudo não se detém em crer somente no progresso incessante do Espírito, embrião na matéria e se desenvolvendo ao passar pelo exame severo do mineral, do vegetal, do animal, para chegar à humanimalidade, onde somente começa a se ensaiar a alma que se encarnará, orgulhosa de sua tarefa, na humanidade. Existem entre essas diferentes fases laços importantes que é necessário conhecer e que eu chamarei períodos intermediários ou latentes; porque é aí que se operam as transformações sucessivas.

Alucinação nos animais
Revista Espírita, setembro de 1865
Essa questão toca preconceitos há muito tempo enraizados e que teria sido imprudente chocar de frente, e foi porque os Espíritos não o fizeram. A questão está iniciada hoje; ela se agita sobre pontos diferentes, mesmo fora do Espiritismo; os desencarnados nela tomam parte cada um segundo as suas idéias pessoais; ... sem adotar tal ou tal opinião, familiariza-se com a idéia de um ponto de contato entre a animalidade e a humanidade, e quando vier a solução definitiva, em qualquer sentido que ela ocorra, deverá se apoiar sobre os argumentos peremptórios que não deixarão nenhum lugar à dúvida; se a idéia é verdadeira, terá sido pressentida; se ela é falsa, é que se terá encontrado alguma coisa mais lógica para pôr no lugar.

Apesar desta clara evolução do pensamento de Kardec entre uma hipótese e outra devemos enfatizar que ainda assim a questão ficou aberta esperando novos "argumentos peremptórios". Aliás, os citados acréscimos vão nesta direção quando se coloca as duas hipóteses juntas demonstrando a prudência do mestre Allan Kardec... vamos relembrar os acréscimos:

Décima terceira edição
Comentários finais após a 613
613. ...
O ponto de partida do Espírito é uma dessas questões que se prendem ao princípio das coisas e estão no segredo de Deus. Não é dado ao homem conhecê-las de maneira absoluta, e ele não pode fazer, a esse respeito, senão suposições, construir sistemas mais ou menos prováveis. Os próprios Espíritos, estão longe de conhecerem tudo; sobre o que eles não sabem, podem também ter opiniões pessoais mais ou menos sensatas.
É assim, por exemplo, que todos não pensam a mesma coisa com respeito às relações que existem entre o homem e os animais. Segundo alguns, o Espírito não alcança o período de humanidade senão depois de ser elaborado e individualizado nos diferentes graus dos seres inferiores da criação. Segundo outros, o Espírito do homem teria sempre pertencido à raça humana, sem passar pela experiência animal.
O primeiro desses sistemas tem a vantagem de dar um objetivo ao futuro dos animais que formariam, assim, os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo está mais conforme com a dignidade do homem e pode se resumir como se segue:
As diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente uma das outras pela via da progressão. Assim, o espírito da ostra não se torna sucessivamente o do peixe, da ave, do quadrúpede e do quadrúmano. Cada espécie é um tipo absoluto, física e moralmente, haurindo cada indivíduo na fonte universal a quantidade do princípio inteligente que lhe é necessário, segundo a perfeição dos seus órgãos e a obra que deve cumprir nos fenômenos da Natureza, e que, em sua morte, torna à massa. Os dos mundos mais adiantados que o nosso (ver 188) são igualmente raças distintas, apropriadas às necessidades desses mundos e ao grau de adiantamento dos homens, dos quais são auxiliares, mas que não procedem absolutamente dos da Terra, espiritualmente falando. Não ocorre o mesmo com o homem. Do ponto de vista físico, forma evidentemente um elo da cadeia dos seres vivos mas, do ponto de vista moral, entre o animal e o homem, há solução de continuidade. O homem possui sua própria alma ou Espírito, centelha divina que lhe dá o senso moral e um valor intelectual que falta aos animais, e é nele o ser principal, preexistente e sobrevivente ao corpo e que conserva a sua individualidade. Qual é a origem do Espírito? Onde está seu ponto de partida? Ele se forma de um princípio inteligente individualizado? É isso um mistério que seria inútil procurar penetrar e sobre o qual, como dissemos, não se pode senão construir sistemas. O que é constante e que resulta por sua vez do raciocínio e da experiência, é a osbrevivência do Espírito, a conservação da sua individualidade depois da morte, sua faculdade progressiva, seu estado feliz ou infeliz, proporcionais ao seu adiantamento no caminho do bem, e todas as verdades morais que são a consequência desse princípio. Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, repetimos, isso está nos segredos de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual não importa ao nosso adiantamento e sobre as quais seria inútil insistir.

Um comentário:

Alcídio Pereira disse...

Cada espécie constitui, física e moralmente e moralmente um tipo absoluto... (...) quantidade que ele, após sua morte restitui ao reservatório de onde tirou.
NÃO SERIA CONFIRMAR A TESE PANTEISTA NÃO ACEITA, E BEM EXPLICADA PELO CODIFICADOR?